quinta-feira, 28 de junho de 2012

RUANDA, 4 DE JULHO DE 1994. FIM DO GENOCÍDIO GRAÇAS AOS REBELDES TUTSIS; VERGONHA PARA AS NAÇÕES UNIDAS.
"No final, não nos lembraremos das palavras dos nossos inimigos, mas do silêncio dos nossos amigos." (Martin Luther King) 
ENTENDA O GENOCÍDIO DE RUANDA E AS ORIGENS DO ÓDIO ENTRE HUTUS E TUTSIS.

"Paul Rusesabagina: Um herói de Ruanda.

Usando um hotel de luxo como abrigo, Paul Rusesabagina conseguiu salvar 1268 vidas num dos piores genocídios da história. Hoje, após inspirar o filme Hotel Ruanda, ele alerta: a tragédia pode se repetir.

Sílvia Pacheco Haidar e Rodrigo Rezende | 01/11/2007 00h00 -

Ao abrir a porta de casa na manhã de 7 de abril de 1994, Paul Rusesabagina viu homens correndo pelas ruas de Kigali, a capital de Ruanda, empunhando facões lavados em sangue. Caído no quintal ao lado, com o rosto numa poça vermelha, estava Rukujuju, amigo de seu filho, cercado pelos corpos dos familiares. Rastejando, sobreviventes pediam ajuda. Rusesabagina, aterrorizado, fechou a porta. Ele sabia que, se tentasse socorrer os feridos, acabaria como eles.

Era o início do genocídio mais intenso da história – nunca tantos foram liquidados tão rápido.

Tudo começou após a morte do presidente Juvenal Habyarimana, cujo avião fora abatido por um míssil na noite de 6 de abril. O líder pertencia à etnia hutu e teria sido vítima de rebeldes de outro grupo étnico, os tutsis. Sob a influência de mensagens de ódio transmitidas pelo rádio, os hutus deram início ao genocídio tutsi.
Em 100 dias, mais de 800 mil pessoas morreram.

Rusesabagina era gerente em uma rede de hotéis e conseguiu chegar a um deles, o luxuoso Mille Collines, em 12 de abril. Com a mulher e os dois filhos, ficou confinado durante 76 dias e deu abrigo a centenas de refugiados. No total, salvou 1268 pessoas – é como se tivesse pausado a carnificina por quatro horas. Para garantir a sobrevivência dos hóspedes, manteve relações cordiais com os líderes do genocídio, história que ficou famosa em 2004, ao ser contada no filme Hotel Ruanda.

Desde 1996, Rusesabagina vive exilado com a família na Bélgica. Tem uma transportadora e preside a Hotel Rwanda Rusesabagina Foundation, organização que auxilia sobreviventes do genocídio – em 2005, ganhou a Medalha Presidencial da Liberdade, um dos maiores prêmios concedidos pelo governo americano. Ele conversou com História por telefone, de Bruxelas. Atualmente, prefere analisar os motivos e conseqüências do genocídio a relembrar a barbárie que presenciou.

História – O senhor nasceu em 1954. Como era para uma criança viver num país dividido em dois grupos étnicos?

Paul Rusesabagina – Eu fui um garoto com muita sorte, pois nasci em uma família miscigenada. Meu pai era hutu e minha mãe, tutsi. Por isso sou hutu, porque em Ruanda a etnia é passada de pai para filho. Meu pai era um homem muito correto e gentil, que nunca se importou com essa divisão étnica. Ele sempre dizia aos filhos: “Ouçam, crianças, não se deve escolher um amigo pela etnia, e sim por ser uma pessoa do bem”. Eu tive a sorte receber uma boa educação, mas a maioria das outras crianças viveu em lares preconceituosos, tornando-se hutus e tutsis extremistas.

Qual é a origem do ódio entre hutus e tutsis?

Esses são os principais grupos étnicos que vivem em Ruanda, mas é uma questão controversa se essa divisão é meramente política e artificial. Nós falamos a mesma língua, compartilhamos as mesmas crenças, as mesmas tradições e, na maioria dos casos, temos a mesma aparência. Antes de os colonizadores chegarem, no século 19, os tutsis já eram os mais ricos e controlavam o país. Os hutus eram os mais pobres e escravos dos tutsis. Em 1885, ano da Conferência de Berlim, em que as nações européias que reivindicavam partes da África tomaram posse das terras, a região onde está Ruanda ficou sob o domínio dos alemães. Mas, quando eles perderam a Primeira Guerra, o comando foi transferido para a Bélgica. Para tirar o máximo proveito de Ruanda, levando o mínimo possível de homens para lá, os belgas elegeram os tutsis como “gerentes” de seu domínio. Daí para a frente, a separação racial tornou-se explícita. Cientistas foram enviados para comprovar a supremacia dos tutsis – que seriam mais altos, mais bonitos e mais inteligentes que os hutus. Em 1933, as pessoas de Ruanda receberam cartões que as identificavam como sendo de uma ou de outra etnia. A situação mudou em 1959, quando houve a Revolução Hutu (três anos após o levante, os belgas deixaram o país).

O que aconteceu com os tutsis após a Revolução Hutu?

Na Revolução, a maioria hutu tomou o poder e começou a matar os tutsis e tomar suas casas. Cerca de 250 mil tutsis deixaram o país e foram para Uganda, Burundi, Tanzânia e Congo. Eles organizaram uma força militar chamada Frente Patriótica de Ruanda, a FPR. Na década de 90, esses rebeldes atacaram Ruanda e chegaram ao poder em 4 de julho de 1994, com o fim do genocídio. O atual presidente do país, Paul Kagame, era um dos líderes da FPR.

Havia evidências, em 1994, de que um assassinato em massa estava para acontecer a qualquer momento?

Os tutsis rebeldes estavam organizando vários ataques em Ruanda, nas proximidades das fronteiras, matando civis e crianças hutus. Por outro lado, o governo de Habyarimana estava matando tutsis civis e qualquer cidadão que fizesse oposição a seu governo. Em outubro de 1993, Melchior Ndadaye, presidente de Burundi, foi morto por oficiais tutsis. Milhares de pessoas de Burundi e Ruanda ficaram assustadas e saíram de seus países. Porém, muitas delas voltaram em novembro do mesmo ano, cinco meses antes de o genocídio começar. A ONU havia mandado 2500 soldados para Ruanda. Quando vimos aqueles homens de capacete azul chegando, sentimo-nos muito mais seguros.

E como foi a atuação dessas forças de paz?

No início de 1994, o líder das tropas da ONU em Ruanda, Romeo Dallaire, descobriu que um genocídio estava sendo preparado: 1700 soldados da milícia hutu Interahamwe (“aqueles que lutam juntos”, na língua kinyarwanda) estavam sendo treinados para agir como um pelotão da morte contra civis e os soldados belgas da ONU, caso houvesse resistência. Além disso, entre janeirode 1993 e março de 1994, 500 mil facões foram importados por Ruanda. Dallaire falou com seus superiores em Nova York, mas recebeu a ordem de não interferir. Quem deu essa resposta foi o então chefe das missões de paz da ONU, Kofi Annan.

De que modo o rádio ajudou a aumentar a tensão?

A emissora RTLM foi inaugurada em agosto de 1993 e tocava música congolesa, um ritmo muito alegre. Todos em Ruanda escutavam essa rádio. As mensagens de ódio começaram timidamente, com algumas piadas. Mas aos poucos essas idéias foram entrando na consciência da população. Em abril de 1994, os recados já eram claros, como “matem seus vizinhos”. O que poucos em Ruanda sabiam é que a rádio estava ligada ao governo e que o principal acionista era o presidente Habyarimana. Durante o genocídio, a RTLM divulgava os nomes dos tutsis que deveriam ser mortos e diziam até mesmo onde eles estavam escondidos ou para onde estavam fugindo.

Por que tanta gente atendeu ao apelo dos extremistas?

Nós temos muitos problemas na África. Um dos mais sérios é a impunidade. Dos anos 60 em diante, muitas pessoas foram obrigadas a sair do país, enxotadas por vizinhos que tomaram suas casas e plantações, mas nunca foram punidos. Além da questão da impunidade, a população do país é muito pobre. Se você diz a uma pessoa que não tem nada “mate seu vizinho e pegue para você tudo o que ele tem”, ela o fará. Os locutores diziam coisas como: “Mate um vizinho e você ficará com o carro dele. Se matar dois vizinhos, ficará com dois carros”. Os adolescentes de Ruanda eram pobres, não tinham nada a perder e sabiam que não seriam punidos.

Na sua opinião, qual a principal causa do genocídio?

É simplista dizer que o genocídio foi causado apenas por ódio tribal. O motivo principal foi a política. Os líderes de Ruanda temiam perder o poder se o país fosse invadido pelos tutsis rebeldes. Mas o mais importante é que a população do meu país reconheça que também foi responsável por todos aqueles assassinatos. De acordo com o que vivi lá, posso dizer que os responsáveis pela carnificina não foram apenas os colonizadores. Nós, ruandeses, devemos parar de culpar os outros e começar a culpar a nós mesmos.

Como o senhor se sentia sabendo que a vida das pessoas refugiadas no hotel dependia quase exclusivamente de sua habilidade com as palavras?

Eu nem sequer tinha tempo para pensar nisso. Eram tantos problemas para resolver que não dava tempo de pensar se o que fazia estava certo ou errado. Nossa situação era precária. Não tínhamos água – precisávamos racionar a água da piscina –, não tínhamos eletricidade, a comida era escassa. Além disso, eu tinha de entreter os homens da milícia e do exército, conversar com eles, oferecer cerveja. Sempre tive em mente que nenhum ser humano é completamente bom ou completamente mau. Então, eu tentava enxergar o lado bom desses homens e usá-lo da melhor maneira possível para que eles deixassem em paz as pessoas no meu hotel. Quando eles ameaçavam os hóspedes, eu costumava dizer a eles: “Sei como você se sente. A guerra faz isso com as pessoas. Tome uma cerveja, vá para casa, descanse e volte amanhã”. Geralmente eles não voltavam.

Qual a explicação que o senhor dá para a recusa dos Estados Unidos em intervir no genocídio?

Há muitas razões. A África é um continente abandonado. Os africanos estão cada vez mais isolados e esquecidos. Até agora, o mundo inteiro, incluindo os Estados Unidos, não está levando Ruanda a sério. Cerca de 800 mil pessoas morreram em três meses e o que o mundo disse a respeito? Nada. Fechou os olhos para Ruanda e abandonou o país. Além disso, não há riquezas naquela terra, não há petróleo lá. Só havia pessoas se matando.
Quais foram os piores erros que a ONU cometeu em Ruanda?
O pior erro que a ONU cometeu foi nos manter confiantes de que eles estavam lá, que iriam nos ajudar e que impediriam os assassinatos em massa. Por conta disso, muitas pessoas que saíram do país com medo do massacre acabaram voltando. Mas, quando 15 soldados belgas foram mortos no primeiro dia do genocídio, retiraram as tropas de paz de lá. Com isso, milhares de pessoas que se amontoaram em igrejas e escolas sob a proteção da ONU foram abandonadas à própria sorte. Aliás, nesses casos, a ONU até facilitou o trabalho dos assassinos, concentrando milhares de vítimas no mesmo local.

O que ocorreu depois que o genocídio acabou?

O genocídio acabou em 4 de julho de 1994, quando os tutsis rebeldes tomaram a capital, Kigali. Os assassinos que escaparam fugiram para o Congo e, de lá, foram para outros países. Alguns foram pegos em Ruanda pelos tutsis. Muitos desses morreram e outros estão na prisão. Agora são os tutsis que estão matando os hutus para se vingar. É o pior problema do país atualmente.

Você tem medo de que um novo genocídio aconteça em Ruanda?

Se o governo não mudar suas políticas, se nada for feito para que haja justiça em Ruanda e se os líderes do genocídio não forem punidos, definitivamente, antes do fim da próxima década, outro massacre acontecerá. Como eu disse, a matança nunca parou. Nós dizemos em Ruanda que a música ainda é a mesma, só mudaram os dançarinos.

No filme Hotel Ruanda, todas as cenas são fiéis à realidade?

O roteiro do filme é mais ou menos fiel ao que aconteceu. Mas alguns detalhes foram modificados. Muitas das cenas, por exemplo, são menos violentas do que houve na realidade. Também há um pouco de pura ficção. Há uma cena, por exemplo, que retrata a mim e à minha mulher no telhado do hotel. Isso nunca aconteceu, pois nós não íamos ao telhado. Também nunca falei para que minha mulher e meus filhos pulassem de lá, caso o hotel fosse invadido.

Você pretende voltar a Ruanda?

Minha casa nunca será em outro país a não ser em Ruanda. Só saí de lá porque quase fui morto. Depois do genocídio, o país estava miserável. Não havia empregos, ninguém tinha dinheiro para nada. Os tutsis rebeldes que chegaram ao poder eram os únicos que podiam ter bens. E eles queriam tudo o que havia sobrado. Eu era gerente de hotel e eles queriam meu emprego, minha casa, tudo. Em 6 de setembro fez 11 anos que estou na Bélgica. Mas voltar a morar em Ruanda será sempre meu sonho."

(Fonte: http://guiadoestudante.abril.com.br/estudar/historia/paul-rusesabagina-heroi-ruanda-435635.shtml).

sábado, 16 de junho de 2012

Sophie Scholl, católica militante, fundadora do movimento Rosa Branca na Alemanha Nazista. Com seu irmão Hans Scholl e mais 70 estudantes, em pleno nazismo planfletaram contra o regime nas Universidades. Flagrados na Univ. de Munique pelo Reitor, foram denunciados à Gestapo. Com 22 anos, foi guilhotinada com seu irmão e mais um estudante após ser condenada pelo famigerado Juiz Freisler, que adotou a toga nazista. Heróis da história; sou fã desta turma.
AHMADINEJAD NO MUSEU DO EXÉRCITO - 

"A antiga Pérsia pouco ou nada tem a ver com os aiatolás. Assim as Colunas de Persepolis a serem instaladas como presente de um regime abominável carregam junto com o esplendor de Ciro a macula de trazer do Iran o simbolismo da negação dos valores morais que permeiam a sociedade brasileira, aberta, tolerante, multi-racial, multi-religiosa e democratica.

O local não poderia ser pior, para receber Ahmadinejad: o histórico Bairro Imperial de São Cristóvão, próximo ao palácio da Quinta da Boa Vista, hoje Museu Nacional. Ali residiu Dom Pedro II, que falava hebraico, e reinou com a serenidade que tanto falta ao propagandista enganoso de que não existiu um Holocausto.
Ahmadinejad tem muito para aprender quando estiver na praça que leva o nome do Imperador, bem em frente ao quartel que um dia sediou o CPOR e hoje abriga uma casa de cultura, o Museu Militar Conde de Linhares.
Quando ele estiver diante do belo prédio neoclássico construído em 1920, no Governo Epitácio Pessoa pelo então General Rondon, alguém deveria lhe dizer que em 1944 nossos jovens partiram daquele quartel, o então CPOR, rumo ao desconhecido, para sob a bandeira brasileira, defender a democracia e a liberdade mundial nas montanhas geladas da Itália.
E que eles iriam lutar contra um regime bem parecido com o dele, Ahmadinejad, fanático e antidemocrático.
Naquele pequeno quartel, aos jovens que cursavam o CPOR eram transmitidos os ensinamentos de dois grande brasileiros, o Chanceler da Paz, Barão do Rio Branco, e o Pacificador, o Duque de Caxias, Patrono do Exército. Lições que Ahmadinejad deveria aprender - solucionar conflitos com tolerância – respeitar as demais nações, o legado precioso destes dois vultos brasileiros.
Na praça que leva o nome do grande Imperador ficará a triste lembrança da visita daquele que manda apedrejar mulheres e enforcar homossexuais.
Assim, de nada adiantaria Ahmadinejad saber que Rondon, construtor daquele prédio, em 1913 atingido por uma flecha envenenada dos nhambiquaras, detida pela bandoleira de couro de sua espingarda, determinou a seus soldados “Morrer se necessário for! Matar nunca!” - se o seu próprio Ministro da Defesa é procurado pela INTERPOL como suspeito de crimes abomináveis, como explosões que mataram dezenas de inocentes argentinos ?
No pátio do então CPOR, hoje esplendido Museu Militar Conde de Linhares, podemos ler o nome do maior herói da FEB, Major Apolo Miguel Rezk, o único dos 25 mil soldados brasileiros a ser condecorado com a Distinguished Services Cross dos EUA, e que naquele quartel formou-se como Tenente de Infantaria, logo partindo com a FEB para a Itália, com dezenas de outros jovens que foram combater o nazismo.
Homenagens a heróis assim não combinam com a presença de Ahmadinejad, personificando o regime que representa. Talvez ainda haja tempo de sustar esta obra. É o mínimo que poderá ser feito para honrar a memória das centenas de preciosas vidas brasileiras que se perderam na luta contra o nazismo, para que um mundo melhor pudesse existir. Agora novamente a humanidade é ameaçada pelo fanatismo e fundamentalismo, repetindo o que ocorreu naqueles anos trágicos que antecederam a guerra declarada em 1939. O mundo se deixou iludir pelos engodos de Hitler.
Pagamos o preço altíssimo com as almas de nossos inocentes vitimados em torpedeamentos, de nossos soldados, marinheiros e aviadores.
Que desta vez o mundo não se deixe iludir pelos engodos de Ahmadinejad, pois agora a ameaça é atômica.
Somente assim não será necessário mais uma vez repetir o mesmo sacrifício.

Israel Blajberg iblaj@telecom.uff.br"
(Fonte: http://www.portalfeb.com.br/ahmadinejad-diante-do-museu-do-exercito/)

sexta-feira, 8 de junho de 2012



                                                                A LUTA PELA BARBÁRIE
                     (“O bárbaro é, antes de tudo, o homem que crê na barbárie” – Claude Lévi-Strauss)

“Quando um tempo vier não mais empanado pela sombra da consciência da própria culpabilidade, a conservação de si mesmo criará a tranqüilidade íntima, a força exterior, brutal e sem considerações, para matar os maus rebentos da erva ruim.”

A frase acima, registrada na história do século XX, parece cair como uma luva para os tempos atuais, quando alguns, por diversos motivos, defendem que agentes do Estado executem sumariamente criminosos, sem que lhes seja permitido um julgamento justo, segundo as leis vigentes no país, uma República Democrática de Direito.
Alguns argumentos apresentados como sustentáculo para tais execuções são já conhecidos, entre os quais “bandido bom é bandido morto” etc.
Evidentemente que as discussões sobre a eficácia das leis atuais ou sobre a eficiência do sistema carcerário são válidas, assim como é importante apontar as causas da atual insegurança pública e a inigualável capacidade do Estado brasileiro de estrutura um real e eficaz sistema punitivo e também restaurador.
Contudo, um antigo postulado, fruto de duras conquistas da civilização tem lugar num regime democrático: a de que “todos” os cidadãos têm direito a um julgamento justo, no qual assegurado a plena e ampla defesa.
Por mais que um crime nos deixe chocados; por mais cruel que se revele um indivíduo ao cometer um delito, ainda assim é necessário que sejam observadas as leis processuais, a lei penal, bem como a Constituição da República.
Esse tema foi objeto de árduas discussões entre as potências ocidentais vencedoras da segunda guerra e a URSS: esta, por força da vontade de Josef Stalin, um dos maiores genocidas da história, desejava apenas reconhecer o grau de culpa e a punição adequada à cúpula nazista em Nuremberg;
Os ocidentais desejavam ofertar aos nazistas um julgamento justo, exatamente para que as punições a serem impostas aos criminosos de guerra não ficassem manchadas pela história como mera vindita.
Mais ainda: absolutamente “todos” os indivíduos são “seres-humanos”, por mais que a clássica visão fascista busque reificar tais indivíduos, tirando-lhes suas características humanas. Assim fez o nazismo (associou os judeus a “ratos”); assim fez o regime extremista hutu (associando os tutsis a “baratas” etc.), entre inúmeros outros exemplos.

Não buscamos a impunidade, mas apenas o reconhecimento de que o Estado, que detém o monopólio da força, seja também o único aplicador das leis e da justiça. Buscamos construir uma verdadeira nação com instituições das quais nos possamos orgulhar.

As leis são ineficazes e a sociedade sente-se insegura ? Então, que a sociedade se mobilize para o que é realmente importante e pressione os parlamentares do país a editar normas mais adequadas aos tempos atuais; leis mais rígidas e um sistema prisional eficiente. Mas, sempre com a prévia lei vigente, estabelecendo condutas e as respectivas punições.

Quantos daqueles que pregam execuções sumárias se lembram em quem votaram, nas últimas eleições parlamentares ? Afinal, são eles que editam nossas leis, lembram-se ? Recordam-se das reflexões de Montesquieu e Aristóteles sobre a divisão dos Poderes ?

Nós nos lembramos bem.

Porém, pregar a execução sumária daqueles considerados criminosos antes de qualquer julgamento justo, por homens uniformizados, com o intuito de “limpar” a sociedade, constitui a forma mais elementar de fascismo; traduz a mesma conduta que a história revelou como o caminho mais evidente para a execução de outras categorias. Conduz à guerra.

Mais ainda: aquele que defende tal ideia está pregando e colaborando para a existência de privilégios – afinal, se um dia um filho seu ou qualquer outro ente querido for acusado da prática de um crime, certamente dirá que referido acusado – seu filho - terá direito à ampla defesa e ao contraditório.
Se algum cidadão tem direito a tais garantias, “todos” as têm.
Não abordamos aqui situações de morte de criminosos que enfrentam a Polícia numa troca de tiros; tampouco do pai ou da mãe que consegue reagir a um assalto ou sequestro e mata seu algoz, situações tais típicas de legítima defesa, já de há muito admitida em lei.
Pensamos, sim, na execução de um marginal já sob o domínio de agentes do Estado-administração e que devem, a partir daí, serem entregues ao Estado-juiz.
A verdadeira origem de nossos problemas, entre os quais aquele relativo à segurança pública, pode ser encontrada na conduta de nossos políticos, que desde o início da República jamais atuaram por amor ao Brasil, salvo raríssimas exceções.
Afinal, quem permitiu o incremento de tamanha insegurança social ?

Não se constrói uma nação com base no medo e na violência; é primária a alegação de que se deve combater fogo com fogo; olho por olho. Já há longo tempo dizia Mahatma Ghandi que “olho por olho e o mundo acabará cego”.

A mais pura verdade e vinda de um homem que libertou seu país do império britânico, por meio da doutrina da “não-violência”.

Violência apenas gera mais violência.
Uma nação, um país de verdade somente se constrói com instituições fortes, leis eficazes, homens públicos comprometidos e, especialmente, com a preservação da democracia, além da participação de seu povo.
Não é o caso dos brasileiros, desinteressados que são da política mas que, depois, com o leite derramado, apenas reclamam e pedem, como no caso presente, que se rasgue a Constituição do país.
Defender ações de extermínio e execuções significa igualar o defensor de tal ideia ao criminoso; traduz a clara opção por uma sociedade marcada pelos privilégios, pelo totalitarismo e pela barbárie.
Já observara Claude Lévi-Strauss que “o bárbaro é, antes de tudo, o homem que crê na barbárie” (“Race et Histoire, Paris, Gallimard, “Folio Essais, 1987, p.22, citado por Jacques Sémelin em “Purificar e Destruir – Usos Políticos dos Massacres e dos Genocídios”).

Quem defende execuções sumárias, crê na barbárie; defende-a. Durante tal processo e após ele, posa de vítima. Isso, nos dias atuais, não é mais admissível.

Reitere-se: não abordamos aqui situações já albergadas em lei.
A sociedade brasileira está insegura e amedrontada; logo, parte para soluções radicais e violentas. Parece desejar mais sangue para estancar justamente sua hemorragia social. O ódio nasce do medo.
Há cerca de duas ou três décadas, especialistas já diziam que a corrupção e o exclusão nos conduziria ao quadro atual.
Lembro-me muito bem de tais alertas.

Pequenas ações defendendo que se rasguem as leis, como é o caso da defesa das execuções sumárias, podem ter consequências graves para a democracia do país. Aliás, já dizia Raymond Aron que “...o detonador da explosão não tem, necessariamente, a mesma ordem de grandeza da explosão.”
O discurso paranoico em dada situação de crise conduz ao medo coletivo e, consequentemente, ao anseio por “justiçamentos”, numa dada histeria coletiva e que nos distancia do Estado de Direito.
“Pode-se ver que o imaginário do medo, com raízes no real e propondo dele uma interpretação imaginaria, ‘retorna’, de certa maneira, ao real...mas para agir.”, como ensinou Jacques Semélin, ao detalhar ambientes fecundos para a explosão da violência e dos genocídios.

Para aqueles que defendem a extirpação das “ervas ruins” por meio de execuções sumárias e sem ofertar aos criminosos julgamentos sob as leis e a Constituição vigentes, sugiro nova e mais aprofundada reflexão.
Ou, assumam que são fascistas.
A propósito, a frase que inaugura esta reflexão foi proferida por Adolf Hitler.